Na ponta dos pés





Sou facilmente moldável, rapidamente adquiro o formato dos pés habilidosos que me calçam. Mas também moldo esses mesmos pés, imprimindo-lhes bolhas e calos, alterando toda a sua musculatura. Deslizo com maciez pela superfície, sustento o voo dos bailarinos. Mas da repetição desses movimentos fluidos, deterioro-me, meu tecido se torna puído e sou descartada. Contudo, minha data de validade é variável: está totalmente atrelada ao crescimento de quem dança, seja no sentido físico (alguns pés crescem absurdamente de um ano para o outro!) ou técnico (nenhuma prima ballerina assume tal posição sem antes esgarçar-me...). Sou o que vem antes e depois do palco. Minha sina é o treino, a preparação, o esforço, a exaustão. Se o êxtase do bailarino se concentra na apresentação - produto final da expressão artística - o meu, se estende por todo o processo. 

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